As "chagas de Cristo" já abriram, na mata. As "maias" também.
Passei, olhei-as e lembrei. Lembrei muito, porque agora dou nisto ... uma pieguice só, que me humedece constante e facilmente os olhos ...
Os últimos tempos da vida da minha mãe, foram absolutamente demolidores. Acredito que mais para os que ficaram, do que felizmente para ela, que cumpria o seu desígnio - viver, enquanto aquele coração teimoso lhe batesse no peito.
Eu, endureci. Eu, cobri-me com a melhor carapaça que arranjei. Eu, e os que a assistiam a ir-se duma forma inglória e injusta, dia após dia.
E desaprendi de chorar. O nó que me sufocava ( e sufocou ) vezes sem conta, recolhia-me as lágrimas que me secavam no peito, antes de brotarem ...
Hoje, choro por isto e também por aquilo.
Hoje, choro porque me enterneço com aquela flor singela que desponta timidamente, choro pelo silêncio dos caminhos sós, choro porque o hino que a passarada me dispensa, tem trinados que me penetram a alma ...
Choro pela condição humana neste momento. Pelas crianças e jovens, na idade do valer a pena, afastados injustamente dos afectos, dos amigos e dos amores.
Choro por nós todos, com uma vida suspensa, que se acaba com os dias, com as semanas e com os meses.
Choro pela destruição dos sonhos. Pelo cansaço da espera ... Por este Inverno que nunca mais adentra a Primavera ... neste quase Verão !...
Choro, porque sofro de uma doença chamada saudade. Saudade das pessoas, dos lugares, dos momentos. Saudade dos que foram indo à minha frente, e saudade dos que estão por aí, algures, à distância do meu pensamento e da minha memória ...
Saudade de mim ... muita saudade de mim ! Ausência de vida ...
Ontem, à meia noite, a Serenata Monumental da abertura simbólica da Queima das Fitas, elevou uma outra vez os toques dolentes das guitarradas e as vozes dos estudantes, aos céus silenciosos de Coimbra ...
Não fui estudante em Coimbra, com pena minha. Tal não se justificaria, vivendo em Lisboa, onde poderia levar adiante o meu plano de estudos. Contudo, familiarmente acabei por me ligar emocional e afectivamente às tradições e ao revivalismo académicos ... que nunca vivi de perto, entenda-se.
No entanto, de alguma forma, Coimbra entrou-me na vida ...
E ontem, enquanto as badaladas ecoavam, e porque elas me embalavam o coração ... as lágrimas caíam-me cara abaixo ... como se fosse uma saudade real, aquilo que estava a sentir ...
Hoje, o dourado das maias era o sol que desceu aos caminhos da mata. O seu aroma inebriante levou-me aos campos do Alentejo, levou-me às braçadas das flores frescas na jarra da entrada ... levou-me aos tempos das tranças, dos joelhos esfolados, da casa paterna ...
levou-me a outros Maios, perdidos nos tempos lá muito atrás ...
levou-me até Évora, ao tempo feliz em que a mãe trauteava a cantiguinha da sua juventude ... "dentre a paz que há na Terra, quando a noite flutua, brilha a giesta na serra, à luz branca da lua ..."
Saudades, saudades e mais saudades ...
Hoje, um amigo confessava padecer desse mal infinito ... a saudade dos lugares onde vivera, das relações que mantivera, do bom e do mau que lhe preenchera a vida.
É exactamente isso ! Conseguimos ter até saudades do menos bom que nos atravessou os caminhos ... porque também isso, foi história nossa !
E agora que temos todo o tempo do mundo, agora que os dias se encompridam e as noites se esvaziam do sono retemperador ... agora que os alvores das madrugadas nos encontram o peito pesado, e o desconhecido acorda na nossa almofada por cada manhã que começa ...
agora, elas, as saudades de tudo e todos, são as minhas companheiras fiéis de cada dia em que devo reerguer-me, porque simplesmente, dizem que a vida continua lá fora !
Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !
Anamar
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